Celebrar e agradecer, a abundância é um dos
rituais mais antigos da humanidade. Primeiro os grãos e as sementes, frutos da
generosidade da terra, e depois outros alimentos foram eleitos pelos povos para
expressar a fé em tempos fartos e o agradecimento pela comida no prato, pela
continuidade da vida e pela boa colheita. A pureza do arroz é reverenciada
pelos japoneses e chineses. Os grãos do milho representam a fortuna para os
americanos. A substância do pão é o sustento dos italianos. As cores e os
aromas das especiarias estão nos rituais indianos de fertilidade. E nós,
brasileiros, nos inspiramos em todas essas culturas. Conheça alguns alimentos e
seu simbolismo:
AZEITE
Espanha,
Grécia e parte da Itália elegeram o azeite puro de oliva para simbolizar a
fartura. Muito usado na culinária mediterrânea, ele faz bem à circulação do
sangue e à digestão e garante o mais desejado tipo de abundância: a ter vida
longa e saudável. Antigamente, era hábito nesses países começar o dia tomando
um cálice de azeite extra virgem, o mais puro, para garantir saúde perfeita.
Dezessete
séculos antes de Cristo, a costa da Espanha já era repleta de oliveiras. Até
hoje esse país é um dos maiores produtores mundiais da azeitona, fruto que dá
origem ao azeite. Substância completa, foi reverenciado na antiguidade como um
líquido múltiplo e milagroso. Suas propriedades medicinais o destacavam como
remédio para feridas dos guerreiros e doentes (muitos mais tarde descobriu-se
que a azeitona tem o mesmo elemento básico da aspirina – daí seu efeito
analgésico). Combustível, alimentava as lamparinas e fazia parte de rituais
religiosos, simbolizando a preservação dos dons divinos.
PÃO
A
origem do pão é controversa. Sabe-se que ele foi o primeiro alimento elaborado
– talvez pelos chineses. Porém restos arqueológicos atestam que o pão era
consumido pelos egípcios e que se tornou comum na dieta dos gregos, sendo
depois incorporado aos costumes romanos. Nessa tradição, molha-se um pedaço de
pão, partido com a mão, no vinho antes de começar a refeição. O mesmo gesto é
eternizado na cerimônia cristã da comunhão, em que ele tem sentido sagrado, nos
tornando seres unos e abençoados. O pão simboliza o corpo de Cristo, a vida
ativa, a pureza, o sacrifício e os pequenos mistérios, enquanto o vinho
simboliza a contemplação e os grandes mistérios.
MILHO
Sem
dúvida, o milho é um dos mais tradicionais símbolos da fartura nos Estados
Unidos, justamente com a torta de maçã. O significado de ambos está ligado à
abundância de alimentos que os imigrantes ingleses encontraram na nova terra,
do outro lado do oceano. Quando Colombo chegou à América, em 1492, o milho já
era encontrado da Argentina ao Canadá e os índios conheciam quase todas as
espécies do cereal.
A
abundância não admite desperdício, e o milho reforça esse lema, pois é
totalmente aproveitável: a palha, quando verde, é boa forragem para bovinos. O
cabelo do milho serve para fazer chá para os rins. O amido é usado na indústria
de alimentação – na fabricação de glicose, maisena, margarina e fermento. É
também ingrediente de medicamentos como penicilina, vitaminas B12, riboflavina
e xaropes. Apreciado na culinária rústica e sofisticada, o milho tem preço
baixo, sabor agradável e sustenta. Os grãos dourados remetem ao ouro da fortuna
e agradam aos olhos e ao paladar até mesmo quando as espigas são preparadas da
forma mais simples: cozidas em água e sal.
SABORES AROMAS SAGRADOS
Os
condimentos, capazes de enriquecer e dar cor, sabor e perfume a alimentos
básicos, como arroz, feijão, lentilha e grão-de-bico, são considerados
verdadeiras preciosidades pelos indianos. E, nessa cultura tão espiritualizada,
o ato de comer não sacia apenas o paladar. Por meio da comida, consegue-se
estabelecer a harmonia entre corpo, mente e espírito. Essa integração constitui
a verdadeira prosperidade. Segundo os hindus, o alimento é o presente sagrado
de Brahma, o Deus Criador, e por isso, é a melhor oferenda nas festas
religiosas. Tudo é preparado com muito esmero e dedicação.
A
chamada garam masala,
uma perfumaria mistura de especiarias e ervas – feito de cravo, canela, anis,
cardamomo, coentro, cominho, gengibre, cúrcuma e usada no preparo de cereais e
carnes –, é a alma da culinária indiana. Graças aos navegadores europeus do
século XV, que trouxeram para o Ocidente as especiarias, podemos provar desses
aromas e sabores exóticos e ainda dar a eles um significado especial,
relacionado à fartura e à abundância.
Esse
cereal é abundante no Japão, na China, na Coréia e na Indonésia, e vem de 5 mil
anos atrás a tradição de considerá-lo um símbolo de fartura. O hábito de atirar
arroz sobre os noivos após a cerimônia de casamento é chinês: um poderoso
imperador quis dar prova de vida farta e fez com que o casamento da filha se
realizasse sob uma chuva desse cereal. O arroz faz parte dos altares budistas
em toda a Ásia, simbolizando boa sorte, felicidade e prosperidade. E, na
rotina, ele está à mesa e no cumprimento mais trivial. Os chineses costumam
perguntar: “Você comeu seu arroz hoje?” – que equivale ao nosso “como vai você?
Tudo em ordem na sua vida?”.
Na
Coréia, os recém-nascidos são alimentados com arroz cozidos nas primeiras três
semanas de vida, para atrair boa sorte e abundância. É costume entre os
adultos, antes de começar a comer, jogar fora uma colherada do cereal,
convidando os deuses a compartilhar o alimento e renovar o pedido de
abundância. Outra curiosidade: na Coréia do Sul, como no Japão e na China, a
comida vem servida em muitos potes. Para esses povos, quanto mais tigelas à
mesa, mais fartura se atrai.
CIO DA TERRA
(Milton Nascimento /
Chico Buarque)
Debulhar o trigo
Recolher cada bago do
trigo
Forjar no trigo o
milagre do pão
E se fartar do pão
Decepar a cana
Recolher a garapa da
cana
roubar da cana a
doçura do mel
Se lambusar de mel
Afagar a terra
Conhecer os desejos da
terra
Cio da terra propícia
estação
E fecundar o chão
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