Alteridade
O
que é alteridade? É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua
dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos
alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem.
A
nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e
ensino para ele. Ele não sabe. Eu sei melhor e sei mais do que ele. Toda a
estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada
nessa concepção. O professor ensina e o aluno aprende. É evidente que nós
sabemos algumas coisas e, aqueles que não foram à escola, sabem outras tantas,
e graças a essa complementação vivemos em sociedade. Como disse um operário num
curso de educação popular: "Sei que, como todo mundo, não sei muitas
coisas".
Numa
sociedade como a brasileira em que o apartheid é tão arraigado, predomina a
concepção de que aqueles que fazem serviço braçal não sabem. No entanto, nós
que fomos formados como anjos barrocos da Bahia e de Minas, que só têm cabeça e
não têm corpo, não sabemos o que fazer das mãos. Passamos anos na escola,
saímos com Ph.D., porém não sabemos cozinhar, costurar, trocar uma tomada ou um
interruptor, identificar o defeito do automóvel... e nos consideramos eruditos.
E o que é pior, não temos equilíbrio emocional para lidar com as relações de
alteridade.
Daí
por que, agora, substituíram o Q.I. para o Q.E., o Quociente Intelectual para o
Quociente Emocional. Por quê? Porque as empresas estão constatando que há,
entre seus altos funcionários, uns meninões infantilizados, que não conseguem
lidar com o conflito, discutir com o colega de trabalho, receber uma
advertência do chefe e, muito menos, fazer uma crítica ao chefe.
Bem,
nem precisamos falar de empresa. Basta conferir na relação entre casais. Haja
reações infantis... Quem dera fosse levada à prática a ideia de, pelo menos a
cada três meses, um setor da empresa fazer uma avaliação, dentro da metodologia
de crítica e autocrítica. E que ninguém ficasse isento dessa avaliação. Como
Jesus um dia fez, ao reunir um grupo dos doze e perguntou: "O que o povo
pensa de mim?" E depois acrescentou: "E o que vocês pensam de
mim?"
Dentro
desse quadro, o desafio que se coloca para nós é como transformar essas cinco
instituições pilares da sociedade em que vivemos: família, escola, Estado (o
espaço do poder público, da administração pública), Igreja (os espaços
religiosos) e trabalho. Como torná-los comunidades de resgate da cidadania e de
exercício da alteridade democrática? O desafio é transformar essas instituições
naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade.
Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em
que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim.
Então
sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível porque, se tirar
essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como
sou - a via do amor se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do
respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos
seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do
realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral.
Ou seja,
isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a
capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua
interioridade.
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